RESUMO
O
presente trabalho pretende fazer um breve estudo teórico sobre letramento e
alfabetização, discutir a participação da família, hábitos e situação
socioeconômica como fatores importantes para o comportamento e o nível de
letramento do indivíduo, e como foco relatar algumas experiências de práticas e
eventos de letramento voltadas para interpretação e produção de vários tipos de
textos com alunos que frequentam o programa de extensão universitária
Universidade Adolescente.
Palavras-Chave: Letramento. Alfabetização. Práticas Sociais.
abstract
The present work intends
to make a brief theorical study about literacy and alphabetization and discuss
the importance of family, habits and social-economic situation as important
factores to the individual’s behavior and literacy level, it has for focus to
relate some experiences of literacy pratical and erunts turned to
interpretation and production of many kinds of texts with students who attend
the university extension program Universidade Adolescente.
Key Words: Literacy. Alphabetization
.Social Pratical.
Universidade Adolescente: uma experiência de letramento com jovens em situação de risco
social. [1]
Alenilda Moreira de Carvalho Santos [2]
1.
Introdução:
Atualmente, considera-se que, para o indivíduo
inserir-se em uma sociedade letrada, ele precisa ser capaz de compreender
textos escritos, mesmo que não tenha recebido uma educação formal, isto é,
mesmo que não seja alfabetizado. Estudiosos como Kleiman (1995), Soares (1998)
têm se preocupado em conceituar o letramento e compreender sua relevância para
a inserção social e cultural do indivíduo em uma sociedade letrada,
considerando os diferentes níveis de letramento.
1.1 Significados e Características do Fenômeno Letramento.
Segundo Soares (1998), a palavra “letramento” surge no discurso dos
especialistas nas áreas de Educação e de Ciências da Linguagem na segunda
metade dos anos 80. Uma das primeiras ocorrências está no livro de Mary Kato,
de 1986 (No mundo da escrita: uma
perspectiva psicolingüística, Editora Àtica). Kato levanta a hipótese de
que a língua culta é conseqüência do nível de letramento.
A chamada
norma-padrão, ou língua culta é conseqüência do letramento, motivo por que,
indiretamente, é função da escola desenvolver no aluno o domínio da linguagem
falada institucionalmente aceita (KATO, 1986. p.7).
Dois anos depois da publicação de Mary Kato, portanto em 1988, Leda
Verdiani Tfouni publica o livro: Adultos
não alfabetizados: O avesso do avesso, onde a autora dedica algumas páginas
para distinguir letramento diferenciando-o de alfabetização. Desde então a
palavra letramento torna-se cada vez mais freqüente, aparecendo em títulos de
livros, por exemplo: os significados do Letramento, coletânea de textos
organizada por Kleiman (1995).
Ainda segundo Soares (1998) o termo letramento resulta da versão para o
português da palavra da língua inglesa literacy.
Etimologicamente, a palavra literacy
vem do latim littera (letra), com sufixo - cy, que denota qualidade, condição,
estado, ou fato de ser. No Webster’s Dictionary, literacy tem a
acepção de “the condition of being
literate”. Assim neste contexto literate
seria o indivíduo educado, especialmente capaz de ler e escrever (educated; especially able to read and write).
É importante ressaltar, também, que letramento não é um método de ensino,
é que, também, não é possível assumir uma única concepção dessa palavra.
Street (1995) sugere que o termo “letramento” seja usado no plural, já que
temos diferentes práticas de letramentos sociais (social literacies).
Na concepção de Kleiman (1995) o termo letramento é compreendido como
“uma prática discursiva de um determinado grupo social, que está relacionada ao
papel da escrita para tornar significativa a interação oral, mas que não
envolve, necessariamente, as atividades específicas de ler e escrever” (p.18),
em outras palavras, a referida autora define letramento como um conjunto de
práticas relacionadas ao uso, função e impacto social da escrita, utilizando
este como sistema simbólico em contextos específicos, para determinados
objetivos. Assim os indivíduos que não tenham recebido a educação formal, podem
ser considerados letrados desde que usem a escrita e interajam no contexto
social.
Na concepção crítica de Soares (1998), tornar-se letrado produz
conseqüências socioculturais, já que o indivíduo passa a ter gradualmente, uma
nova condição social e cultural, o que não implica necessariamente uma mudança no nível socioeconômico.
(...)
tornar-se letrado é também tornar-se cognitivamente diferente: a pessoa passa a
ter uma forma de pensar diferente da forma de uma pessoa analfabeta ou
iletrada. (soares, 1998,
p.37).
Pode-se concluir, então, que há diferentes conceitos de letramentos,
conceitos que variam segundo as necessidades e condições sociais específicas de
determinado momento histórico e de determinado estágio de desenvolvimento.
Pessoas ou grupos que têm ideologias diferentes e, conseqüentemente, diferentes
objetivos políticos propõem diferentes práticas de letramento, determinadas por
seus valores, afirmações e ideais. Há por exemplo uma tentativa contemporânea
de “desagregar” o letramento, sobre tudo em países desenvolvidos, de qualificar
o termo, fazendo distinções entre: letramento básico e letramento crítico,
letramento adequado e inadequado, letramento funcional e integral, letramento
geral e especializado, letramento domesticador e libertador, letramento
descritivo e avaliativo etc. (SOARES, 1998p. 81).
Embora haja diferentes concepções sobre o fenômeno letramento, podemos
chegar a um consenso que o eixo norteador que une todos os teóricos é que o
letramento está vinculado ás práticas sociais envolvendo a leitura e escrita
presentes no cotidiano do indivíduo.
1.2 Letramento e Alfabetização
A discussão do letramento surge sempre envolvida no conceito de
alfabetização. Segundo Soares (1998) existe um elo entre alfabetização e
letramento. Os dois processos não podem ser separados, pois, a princípio, o
estudo do aluno no universo da escrita se dá ao mesmo tempo.
A referida autora conceitua a Alfabetização como aprendizagem da técnica,
domínio do código convencional da leitura e da escrita e das relações
fonema/grafema, do uso dos instrumentos com os quais se escreve, e não
constitui pré-requisito para o letramento. Segundo a mesma, não é preciso
primeiro aprender a técnica para depois aprender a usá-la, porque as duas
aprendizagens se fazem ao mesmo tempo, uma não é pré-requisito da outra, assim
a alfabetização é algo que deveria ser ensinada de forma
sistemática, e não de deve ficar diluída no processo de letramento.
Para Tfouni (1997), a alfabetização refere-se à aquisição da escrita como
aprendizagem de habilidades para leitura, escrita e as chamadas práticas de
linguagem. Isso é levado a efeito, em geral, por meio do processo de
escolarização e, portanto, da instrução formal. A alfabetização pertence,
assim, ao âmbito do individual, já o letramento por sua vez, focaliza os
aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita. Entre outros casos, procura
estudar e descrever o que ocorre nas sociedades quando adotam um sistema de
escritura de maneira restrita ou generalizada; procura ainda saber quais
práticas psicossociais substituem as práticas “letradas” em sociedades ágrafas.
Desse modo, o letramento tem por objetivo investigar não somente quem é
alfabetizado, e, nesse sentido, desliga-se de verificar o indivíduo e centra-se
no social.
Para melhor definição dos termos letramento e Alfabetização e seus
derivados Soares (1998) recorre ao dicionário Aurélio (p.30, a33).
Alfabetização
Alfabetizar
Alfabetizado
Analfabetismo
Analfabeto
Letramento
Letrado
Iletrado
Analfabetismo: estado ou condição de
analfabeto.
Analfabeto: que não conhece o alfabeto,
que não sabe ler e escrever.
Alfabetizar: ensinar a ler e a escrever
é tornar o indivíduo capaz de ler e escrever.
Alfabetização: ação de alfabetizar
Letrado: versado em letras, erudito.
Iletrado: que não tem conhecimentos
literários
O sentido atribuído aos adjetivos letrado e iletrado não está relacionado
com o sentido da palavra letramento. A palavra letramento não aparece no
Aurélio, mas no dicionário (Houaiss, 2001, p.1474) são atribuídos três
significados para o termo letramento: 1- representação da língua falada por
meio de sinais; escrita. 2- alfabetização (processo). 3- conjunto de práticas
que denotam a capacidade de uso de diferentes tipos de materiais escritos
(década de 1980). Os significados atribuídos no dicionário Houaiss se aproximam
mais das concepções que propriamente dos estudos a cerca do fenômeno
letramento.
Acreditamos que alfabetizado é o indivíduo que sabe ler e escrever,
entretanto, este indivíduo não conseguiu alcançar competência
de leitura e a escrita suficiente para
envolver-se em práticas sociais de escrita: não lê livros, não escreve bilhetes
etc. Já o letrado é aquele que sabe ler e produzir textos diversos. É também
considerado letrado (em nível menor) o indivíduo que vive num contexto de
letramento, convive com livros, ouve histórias e noticiários, dita uma carta,
pega ônibus, paga suas contas, sabem distinguir as mercadorias pelas marcas,
identifica o valor do dinheiro, consegue fazer cálculos etc.
Podemos concluir que alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas
ao mesmo tempo não podem ser separadas, Soares (1998) afirma que o ideal seria
alfabetizar letrando, ou seja, ensinar a ler e a escrever no contexto das
práticas sociais da leitura, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo
tempo, alfabetizado e letrado.
1.3 Leitura e Escrita como Práticas Sociais.
1.3 Leitura e Escrita como Práticas Sociais.
(...)
A leitura de mundo precede a leitura da palavra (...) a leitura da palavra não
é apenas precedida pela leitura do mundo, mas de certa forma “escrevê-lo” ou de
“reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática
consciente. (Freire, 1989,
p.11-20).
Historicamente, a escrita data de cerca de 5.000 a . C, e seu processo
de difusão e adoção dos sistemas escritos, no entanto, foi lento e sujeito a
fatores políticos e
econômicos.
Há alguns anos bastava que uma pessoa soubesse assinar o próprio nome
para ser considerada alfabetizada, até por quer não era exigido mais que isso
da grande parte da população, as pessoas aprendiam apenas a desenhar o nome
para votar. A partir dos anos 40, o Censo passou a considerar alfabetizado o
indivíduo que soubesse ler e escrever um bilhete simples.
Saber ler e escrever mecanicamente não garante a
uma pessoa interação plena com os diferentes tipos textos que circulam da
sociedade é preciso mais que decodificar os sons das letras, é preciso entender
os significados e usos das palavras em diferentes contextos.
Marcuschi (2004) defende que a escrita é um modo de produção textual-discursiva para fins
comunicativos com certas especificidades materiais e se caracteriza por sua constituição gráfica, embora envolva também
recursos de ordem pictórica (relativo à pintura) e outros. Situa-se no campo
dos letramentos. Pode manifestar-se,
do ponto de vista de sua tecnologia, por unidades alfabéticas (escrita
alfabética), ideogramas (escrita ideográfica) ou unidades icnográficas.
Tfouni (1997) defende que a escrita é por excelência um produto cultural,
é, de fato, o resultado exemplar da atividade humana sobre o mundo.
Soares (1998) ressalta que se apropriar da escrita é diferente de ter
aprendido a ler e escrever.
(...) Aprender a ler e
escrever significa adquirir uma tecnologia, a de codificar em língua escrita e
de decodificar a língua escrita; apropriar-se da escrita é tornar a escrita própria,
ou seja, é assumi-la como sua propriedade (p.39).
De acordo com essa concepção tanto a escrita como a leitura deve ser
vistas como práticas sociais assumindo uma postura de uso e reflexão. Assim um leitor competente é alguém que, por
iniciativa própria, é capaz de selecionar, dentre os textos que circulam na sociedade, aqueles que podem atender
a uma necessidade; é alguém que consegue utilizar estratégias de leitura
adequada para abordá-la de forma a atender a essa necessidade. Um leitor
competente constitui-se mediante uma prática constante de leitura de textos que
circulam socialmente.
2.
As Práticas e os eventos de letramentos de alunos
assistidos pelo Projeto Universidade Adolescente: um contexto do estudo.
2.1 Conhecendo o Projeto “Universidade Adolescente” (UNIAD)
O projeto Universidade Adolescente é uma parceria entre o Juizado da
Infância e Juventude de Anápolis (JIJA), Universidade Estadual de Goiás (UEG) e
a Fundação Universitária do Cerrado (FUNCER). Existente há mais de dois anos, o
projeto atende jovens em situação de risco social com idade entre14 e 17 anos. As aulas acontecem todas as terças e
quintas-feiras na UEG, localizada à Avenida JK, nº146, bairro Jundiaí, no turno
vespertino, das 13h20min às 17h30min.
São oferecidas aos jovens as seguintes disciplinas: Letramento, Prática
Desportiva e Lazer, Inclusão Digital, Empreendedorismo e Desenvolvimento
Pessoal e Profissional, além disso, projeto UNIAD; também oferece aos alunos
atendimento psicológico, cestas básicas e encaminhamento para cursos
profissionalizantes.
Com base nos quatro pilares da educação: aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser, o objetivo
principal do projeto é contribuir com o processo de re-socialização, tendo em
vista que, seu público alvo, é adolescente em situação de risco social.
Como já descrito anteriormente, o projeto UNIAD oferece várias
disciplinas, mas o Letramento será o universo da nossa pesquisa, pois o nosso
objetivo principal é relatar algumas experiências de letramentos voltadas para
interpretação e produção de vários tipos de textos com os jovens atendidos
durante o primeiro ano do projeto (2005/2006). Assim começaremos por definir o
objetivo do ensino do letramento dentro do projeto:
Letramento
|
|
Carga horária:
|
72 horas
|
Público Alvo
|
Adolescentes com idade entre 14 e
17 anos em situação de risco social, com baixo grau de letramento.
|
Quantidade de alunos atendidos pelo projeto:
|
60 alunos
|
Objetivo geral:
|
Desenvolver a capacidade de
leitura, interpretação e construção de textos, contribuir para os diferentes
estágios de alfabetização dos participantes.
|
Objetivos específicos:
1.
Desenvolver o processo de letramento e cidadania;
2.
Aperfeiçoar a capacidade de comunicação por meio da
leitura, produção, interpretação e reprodução de textos;
3.
Resgatar a auto-estima;
4.
Aprimorar a linguagem, ortografia e uso
contextualizado da gramática;
5.
Reforçar os conteúdos escolares;
6.
Resgatar os valores humanos como pilares de um
caráter equilibrado na busca da empregabilidade;
7.
Desenvolver um trabalho em equipe, trabalhando o
respeito, a inclusão social, a família e outros temas transversais;
8.
Desenvolver gosto pela leitura;
9.
Desenvolver a criatividade trabalhando as múltiplas
inteligências;
10.
Estimular o raciocínio crítico através de leituras,
pesquisas e debates;
11.
Estruturar um trabalho social e educativo em
conjunto com os parceiros a partir dos quatro pilares da educação,
transformando-os nas competências necessárias para encarar o desafio de viver
e conviver.
|
3. Metodologia do Estudo
Dos 60 alunos que participaram do projeto, apenas 30 colaboraram da
pesquisa, pois, optamos por trabalhar apenas com jovens que apresentavam mais
dificuldades. Estes jovens tinham idade entre 14 e 17 anos, sendo 25% do sexo
feminino e 75% do sexo masculino. Os sujeitos
freqüentavam a 6ª e a 7ª série do Ensino Fundamental (atual 7º e 8º ano) em
escolas públicas da cidade de Anápolis, estudavam no período da manhã e
participaram do projeto UNIAD duas vezes por semana (terças-feiras e
quintas-feiras) no período da tarde.
Todos os alunos eram pertencentes ao nível
socioeconômico de baixa renda, com pais semi-analfabetos, e 11% dos alunos já
haviam cumprido medida socioeducativa no juizado da infância e juventude. Os
demais alunos, embora não tivessem passagem pelo juizado, apresentavam um
comportamento agressivo com a família, passavam a maior parte do tempo nas
ruas, fazendo pichação e destruindo patrimônio público.
Todos tinham em comum a indisciplina, dificuldade
de aprendizado e tinham em seu currículo várias suspensões; 71% deles já haviam
feito uso de algum tipo de droga.
Os dados da pesquisa foram coletados durante o primeiro ano do projeto
UNIAD (2005/2006). Para montar a pesquisa, inicialmente usamos as fichas de matrículas
dos alunos, fichas estas que traçam o perfil socioeconômico dos sujeitos. Em
seguida, aplicamos diversas atividades: a) um questionário de múltipla escolha,
referente aos vários tipos de leituras e escritas presente na vida dos alunos,
b) um teste objetivo com leitura, interpretação e uma produção de texto, c) um
questionário sobre os hábitos e participação da família na vida do aluno, d)
vária atividades, dinâmicas e exercícios voltados para o aprendizado dos alunos
aperfeiçoando o grau de letramento, e) fichas de avaliação para acompanhar os
resultados.
3.1 Procedimentos da coletas de dados
O questionário socioeconômico foi aplicado no ato da matrícula, de forma
individual colhendo informações dos pais ou responsáveis dos alunos. Os
questionários de múltiplas escolhas foram feitos de forma coletiva; as
perguntas eram lidas em voz alta, esclarecendo as dúvidas dos alunos e ao final
cada aluno entregava o questionário respondido.
Para melhor aplicabilidade das tarefas dirigidas, o
grupo foi organizado em duas turmas “A” e “B”, com 15 alunos em cada sala,
assim as mesmas atividades feitas na turma “A” eram repetidas na turma “B”.
Todas as atividades executadas pelos alunos foram feitas com orientação
pedagógica.
O plano de curso foi baseado nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) e em leituras de autores como Geraldi, Paulo
Freire e Magda Soares. As avaliações eram contínuas e com uma
verificação de aprendizagem feita trimestralmente, seguindo uma ficha de
avaliação e as correções eram feitas de forma indireta seguindo algumas
propostas de Quaresma (2002) e Geraldi (2001).
3.2 Concepção de avaliação da aprendizagem
dos alunos na perspectiva do letramento
De acordo com os PCN (1998), a avaliação deve ser
compreendida como conjunto de ações organizadas com a finalidade de obter
informações sobre o que o aluno aprendeu, de que forma e em quais condições.
Para tanto, é preciso elaborar um conjunto de procedimentos investigativos que
possibilitam o ajuste e a orientação da intervenção pedagógica para tornar
possível o ensino e a aprendizagem de melhor qualidade. Nesse sentido deve
ocorrer durante todo o processo de ensino e aprendizagem, e não apenas em
momentos específicos caracterizados como fechamento de grandes etapas de
trabalho.
Avaliamos os alunos seguindo o modelo dos PCN e adotamos como critérios
os itens abaixo para avaliar o nível de letramento dos alunos:
1.
Demonstrar compreensão de textos orais, nos gêneros
diversos;
2.
Atribuir sentido a textos orais e escritos,
posicionando-se criticamente diante deles;
3.
Ler de maneira independente textos com os quais tenha
construído familiaridade;
4.
Compreender textos a partir do estabelecimento de
relações entre diversos segmentos do próprio texto e entre o texto e outros
diretamente implicados por ele;
5.
Selecionar procedimentos de leitura adequada a
diferentes objetivos e interesses (estudo, formação pessoal, entretenimento,
realização de tarefa) e a características do gênero e suporte;
6.
Coordenar estratégias de leitura não-lineares
utilizando procedimentos adequados para resolves dúvidas na compreensão e
articulando informações textuais com conhecimentos prévios;
7.
Produzir textos orais nos gêneros diversos considerando
as especificidades das condições;
8.
Redigir textos na modalidade escrita nos diversos
gêneros considerando as especificidades das condições;
9.
Escrever textos coerentes e coesos, observando as
restrições impostas pelo gênero;
10. Redigir textos utilizando alguns recursos
próprios do padrão escrito relativos à paragrafação, pontuação e outros sinais
gráficos, em função do projeto textual;
11. Escrever
textos sabendo utilizar os padrões da escrita, observando regularidades
lingüísticas e ortográficas;
12. Revisar
os próprios textos com o objetivo de aprimorá-los
Consideramos esses critérios necessários e
adequados para avaliar a aprendizagem dos alunos que fizeram parte da pesquisa,
pois, só assim pudemos avaliar o nível de letramento. Enfatizamos que, os alunos freqüentavam a
escola, portanto eram alunos alfabetizados, mas com um baixo grau de
letramento, percebemos que grande parte apenas decodificava o texto, e não
conseguiam interpretar e escrever textos com coesão.
3.3 Resultados da Pesquisa
Os dados a
seguir são decorrentes do levantamento de informações sobre as práticas de
leitura dos jovens do projeto UNIAD.
Tabela 1
Sim
|
Não
|
||
Leitura de livros
|
2%
|
98%
|
|
Leitura de revistas
|
67%
|
33%
|
|
Leitura de Jornais
|
28%
|
72%
|
|
Leitura de gibis
|
12%
|
88%
|
|
Leitura do cotidiano
Placas de sinalização
Contas do lar
Anúncios
Letreiros
Bilhetes
Panfletos
Textos religiosos
|
100%
100%
100%
100%
100%
100%
100%
|
|
|
A leitura de livros entre estes jovens tem um resultado pouco animador, pois apenas 2% afirmaram ter lido algum tipo de
livro. De acordo com os alunos eles encontraram dificuldade de acesso aos
livros e não consideram a leitura uma prática relevante na vida cotidiana.
Disseram que não sentem falta desse tipo de leitura para sua inserção cultural
e social. A leitura de livros nos casos apresentados foi decorrente do acesso
por empréstimo em função de uma obrigação da escola. A leitura de revistas foi
o que ocorreu em maior quantidade. A revista é vista como entretenimento, pois
os jovens se mostraram atraídos por fofocas, vida de artistas famosos,
culinária, horóscopo, curiosidades, humor e jogos de passatempo. A maior parte
dos alunos que disse ler revistas, afirmou ler nas próprias bancas de revistas;
folheia e lê o assunto que os interessam ou lê quando alguém os empresta, ou
seja, mesmo sem ter condições para adquirir, a leitura de revista é um evento de letramento bastante presente
no cotidiano desses jovens.
Em relação á leitura de jornal, 28% afirmaram que lêem. As seções mais
lidas são os noticiários locais, esporte, horóscopo, charges e classificados. É
importante ressaltar que alguns dos jovens só passaram a ter acesso ao jornal
após entrarem no projeto UNIAD. 15% disseram que
por chegarem cedo ao projeto aguardavam na biblioteca da UEG o horário do
inicio das aulas e liam algumas seções do jornal que os agradava. Infelizmente
isso não aconteceu com os livros, pois os jovens não se sentiam atraídos, e
alguns se sentiam inibidos pelos funcionários.
Um fato curioso foi á leitura de gibis, uma prática tão divertida não
parece interessante a esses jovens, pois apenas 12% afirmaram ler gibis e,
apenas as tirinhas que são publicadas nos jornais.
Como a tabela mostra a maior parte dos jovens em questão não possuem
hábitos de leitura, com exceção os hábitos de leituras cotidianas, mas,
ressaltamos que esta prática de leitura tem função diferente das demais
práticas, pois este tipo de leitura está relacionado à troca ou obtenção de
informações, como ler um bilhete, pegar um ônibus, ler uma placa, um anúncio ou
um panfleto distribuído nas ruas. A leitura de contas é feita pelos jovens por
terem que pagar as contas ou em alguns casos apenas indicar o valor a ser pago
para os avós ou pais que não conseguem ler. A leitura de textos bíblicos
também é um fato comum a todos os casos, já que constitui uma prática
religiosa. Os alunos encaminhados ao projeto que cumprem ou já cumpriram alguma
medida sócio educativa são obrigados por determinação do juiz a freqüentar
algum tipo de religião (qualquer uma). É por isso que
todos afirmam ter lido mensagens, ou versículos da Bíblia.
A segunda parte da pesquisa foi um teste objetivo envolvendo leitura,
interpretação e produção de texto. Os alunos foram avaliados conforme os
critérios apresentados nos PCN. 77% dos jovens não souberam responder a maior
parte das questões e não produziram um bom texto. Apenas 23% tiveram um número
maior de acertos e 7% fizeram uma boa redação seguindo corretamente as
instruções que foram dadas.
A terceira etapa foi um questionário sobre os hábitos e participação da
família na vida do aluno. 93% disseram que seus pais ou responsáveis não tem
hábitos de ler e também não costumam presenteá-los com livros, e apenas 2% dos
alunos disseram que seus pais compram livros quando são obrigados pela escola.
Após todas essas informações começamos a trabalhar com os alunos. No
inicio de cada aula começávamos com uma “Mensagem do Dia”. Este era um momento
de interpretação de oralidade; a mensagem era uma fábula, um conto, um
noticiário da atualidade marcante, um texto bíblico, uma poesia ou até mesmo um
pensamento. Em seguida era trabalhado o conteúdo, voltado para leitura e
escrita. Trabalhamos com vários tipos de leituras, de rótulos a textos
científicos, sempre com um objetivo bem traçado e acompanhamento pedagógico.
Sempre que possível fazíamos algumas dinâmicas.
Todos os textos produzidos pelos alunos tinham sempre uma função. Eles
produziam textos para serem publicados no jornalzinho do projeto, cartas que
eram realmente enviadas, coletânea textos para fazer um livro, recital de
poesias, peças teatrais escrita pelos próprios alunos, concurso de melhor
redação com direito a prêmio etc. Pedir para que o aluno produza um texto com
um leitor real, como sugere Geraldi (2001) faz toda diferença; sem dúvidas
motiva o aluno.
Também propusemos alguns trabalhos em que os alunos tinham que ler e seguir
instruções. Trabalhos assim tinham sempre a
participação de todos os alunos, pois uma característica marcante de toda a
turma era a inquietação. Quando o trabalho exigia leitura e ação, eles se
envolviam mais. Ao contrario de práticas que envolviam apenas a leitura
silenciosa. Atividades como esta exige mais
concentração do aluno, o que causava cansaço e, conseqüentemente
a desistência da atividade. Para amenizar este
problema, sempre que trabalhávamos com este tipo de leitura procurávamos levar
textos curtos, charges e tirinhas.
Trimestralmente eram feitas avaliações e notamos crescentes melhoras nos
alunos. Também doamos alguns livros, revistas do Sesinho oferecidas pelo SESI,
para que eles pudessem fazer leitura em casa. Soares (1998) afirma que disponibilizar
material de leitura é uma condição essencial para manter hábitos de leituras,
ao citar o fracasso do antigo MOBRAL.
Não poderíamos omitir as dificuldades enfrentadas
durante a realização do nosso trabalho. Por serem jovens em situação de risco
social, como já citamos, tivemos um pouco de receio a princípio; temíamos algum
tipo de agressão ou ameaça de aluno, mas quando tivemos contatado com os alunos
e conhecemos a história de cada um, a insegurança foi substituída por carinho e
respeito, pois tudo que jovens como estes precisam é de oportunidade. Passamos
a acreditar no potencial deles, a acreditar no que eles são capazes de fazer e
não rotulá-los e julgá-los pelo que eles já fizeram. Em nenhum momento tivemos
problemas sérios com os alunos. No termino do projeto todos os alunos que
concluíram o curso tiveram avanços positivos na área de letramento, alguns se
destacaram mais que outros, e em um dos casos, um aluno órfão que morava no
abrigo da Luz da cidade de Anápolis, que no início apresentava baixo nível de
letramento, tomou tanto gosto pela leitura que passou a ler livros infantis
para as crianças internas do abrigo por conta própria.
Não poderíamos deixar de falar sobre a
importância da família, condição básica para que o jovem tenha uma formação de
hábitos, construção de valores. Até mesmo no primeiro contato com o mundo letrado
nos primeiros anos de vida, ou seja, antes do aluno ter contato com outras
pessoas e entrar na escola, é a família (pai, mãe ou outro responsável pela
educação da criança) responsável pelo aprendizado do aluno.
Soares (1998) afirma que a criança
que ainda não é alfabetizada, mas folheia livros, finge lê-los, brinca de
escrever, ouve histórias que lhe são lidas, está rodeada de material escrito e
percebe seu uso e função, essa criança é ainda “analfabeta”, porque não
aprendeu a ler e escrever, mas já penetrou no mundo do letramento, já é de
certa forma letrada. Partindo do pressuposto de que o estímulo dessas
atividades cabe a família, acreditamos que a participação dos pais na vida dos
alunos faz toda diferença, pois estas ao entrarem na escola trazem uma bagagem
significativa que facilita no processo cognitivo do aluno.
No início dos anos 80, começaram a circular, entre
educadores, livros e artigos que propunham uma mudança do processo de
alfabetização. Deslocavam a ênfase habitualmente posta em como se ensina e
buscava descrever “como se aprende”. Tiveram grande impacto os trabalhos
que relatavam resultados de investigação, em especial a psicogênese da língua
escrita. Esses trabalhos ajudaram a compreender aspectos importantes do
processo de aprendizagem da leitura e da escrita, permitiram, por exemplo, que
se começasse a desvelar as razões pelas quais as crianças que vinham de
famílias mais favorecidas pareciam ter muito mais desenvoltura para lidar com
as demandas escolares do que as de famílias menos favorecidas.
Ao analisarmos os alunos do projeto UNIAD percebemos que a questão
socioeconômica interfere no acesso à informação, pois esses alunos são filhos
de pais analfabetos ou semi-analfabetos. Os alunos relataram que só
passaram a ter contato com livros e outros materiais escritos quando entraram
para escola. Constatamos que na maioria dos casos os pais destes jovens eram
pessoas que moravam de favor, em casas alugadas ou em barracos improvisados em
bairros periféricos. O número de pessoas que moravam em uma mesma casa era
superior a 8, com renda de um salário mínimo mais auxilio de bolsas oferecidas
pelo governo. Em 53% dos casos, o lar era mantido unicamente pela mãe, 27%
pelos avós, apenas 12% pelo pai, e 8% pelo casal.
Diante desse contexto, em que as famílias mal têm recursos financeiros
para garantir o básico como alimentação, saúde e moradia, gastos com educação
ou qualquer tipo de material escrito como livros, revistas, jornais são
irrelevantes. E nesse sentido que as famílias mais favorecidas se destacam, por
terem maiores condições financeiras para adquirir diversos materiais impressos
e lúdicos que servem para estimular o aprendizado da criança, porém não podemos
generalizar, pois estamos cientes que há exceções, mas
acreditamos que o meio social e familiar são os primeiros ambientes favoráveis
ao letramento, e a escola é uma grande influência no desenvolvimento de níveis
de letramento. Ou seja, cabe a escola desenvolver aquilo que o aluno já traz
consigo. Como afirma Freire (1998), devemos levar em consideração o
conhecimento prévio do aluno.
Conhecer bem o aluno, compreender o que acontece
com a família, entender seus valores ligados a procedimentos disciplinares,
seus hábitos, suas formas de se relacionar com as pessoas, auxilia muito na
construção de ações conjuntas.
Conclusão
A leitura parecia ser uma prática pouco prazerosa
entre os jovens matriculados no Projeto UNIAD, pois eles não foram motivados e
nem tinha acesso à variedade de materiais escritos. É interessante notar que a
leitura de livros didáticos não faz parte da prática de letramentos dos jovens,
embora seja exigida nas escolas. Esses livros na maioria das vezes são
utilizados apenas como pretexto para o ensino de gramática e treino ortográfico
(Matos, 2001).
Ler um livro, como forma prazerosa, é um hábito que
poucos jovens possuem. Acreditamos que este hábito deve ser desenvolvido na
ambiente familiar através do estímulo dos pais ou quando os pais são modelos
para os filhos. A falta de interesse pela leitura, principalmente de livros
está relacionada a fatores econômicos; grau de escolaridade e letramento dos
pais, ambiente relacional da família, espaço e tempo disponível para a leitura
na família, entre outros.
Consideramos práticas de letramentos maneiras
culturais de utilizar á escrita, envolvendo valores, sentimentos e interação
sociais. É por meio das práticas sociais de leitura e da escrita que o
letramento ocorre naturalmente na rotina de cada indivíduo, e está relacionadas
com as práticas significativas para ele, como apresentamos na Tabela 1 –
Leitura do cotidiano, placas de sinalização, contas do lar, bilhete etc.
presentes nos conceitos de Kleiman (1995) e Soares (1998).
Podemos concluir que para esses jovens a leitura,
de um modo geral, parece estar vinculada às necessidades emergentes para
inserção cultural, pois lêem os textos na medida em que necessitam de
informação. No entanto, não basta estar em contato apenas com esses eventos de
letramento; é preciso relacionar a escrita com os usos, as funções e seu
impacto social em diferentes contextos (KLEIMAN, 1995). Por isso, tentamos
levar, através do Letramento do projeto UNIAD, uma visão maior de uso da
escrita e leitura.
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Ministério da Educação. PCN – parâmetros curriculares nacionais- Terceiro e
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